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No olhar: Akin Cavalcante por Suelen Romani

No olhar da fotógrafa Suelen Romani, o modelo Akin Cavalcante abre o seu mundo e conversa sobre vitiligo, identidade e representatividade na moda. Exclusivo para Cartola Online

fotos e entrevista por Suelen Romani
No primeiro momento, o meu amigo e stylist João Nell quis me apresentar para o Akin para que criássemos um editorial com ele. Então fomos todos tomar um café. Mas ao conhecer o Akin, eu fiquei encantada. Primeiro eu me identifiquei emocionalmente com o seu desejo de superação. Depois ouvindo sua história, percebi o quanto seria importante compartilhar com os outros, já que ele tinha essa disponibilidade. Então, indo além da lente da câmera, vi que compartilhar sua história poderia educar e transformar o olhar perante o vitiligo, identidade e representatividade na moda.

Quem é Akin? Você pode, brevemente, guiar-nos através de sua história? Como você começou e como chegou onde está hoje?

Comercialmente, eu sou um modelo com características atípicas e fora do comum para o meio, representado por uma agência de modelos, em São Paulo. Socialmente, sou um conscientizador de questões relacionadas ao vitiligo (doença de pele que ocasiona a despigmentação da pele e afeta diretamente a aparência) e atuante através das redes sociais usando a própria imagem e os trabalhos realizados como modelo para dar visibilidade ao Vitiligo, a fim de esclarecer os transtornos psicossociais causados pela doença. Pessoalmente, sou mais um entre tantos jovens negros que não teve condições de levar adiante seus sonhos por conta dos problemas e das desigualdades que atingem a maioria das famílias pobres e negras brasileiras. Minha vida como modelo iniciou em 2017, quando um coletivo de jovens negros chamado MOOC me encontrou nas redes sociais e me convidou para participar de um comercial cujo tema era colorismo. O comercial foi um sucesso e provocou uma transformação em minha vida. Despertou, sobretudo, a necessidade de direcionar meu olhar e compartilhar minha experiência com outras pessoas que possuem vitiligo.

Você considera que a sua jornada foi e tem sido fácil? Se não, quais foram algumas das suas lutas ao longo do caminho?

Não foi e não é. O vitiligo te coloca diante de uma nova realidade social: é preciso lidar, frequentemente, com o olhar de curiosidade e estranhamento das pessoas. O vitiligo tende a nos situar em uma posição de vergonha, insegurança e vulnerabilidade. Passei por todos esses dissabores e as brincadeiras no ambiente profissional me levaram a uma situação de depressão tão crônica que eu já não queria mais sair de casa e passava o tempo todo trancado no quarto com vergonha até mesmo dos meus familiares.

Hoje você se tornou uma referência sobre sobre o vitiligo no mundo. Quando e como foi o seu primeiro contato com a doença? Como foi a aceitação de si mesmo com o vitiligo?

O vitiligo surgiu em mim aos 18 anos através de uma pequena mancha na boca que progrediu em tamanho, o que me obrigou a ir ao médico. Foram feitas várias tentativas de tratamento, com pouco êxito. As manchas até repigmentavam, mas despigmentavam em outra região. Além do custo financeiro, gastava-se muito tempo para um resultado incerto e pequeno. Optei por não tratar mais, mantendo apenas os cuidados essenciais para que a pele permanecesse saudável.

Eu acredito que tenha sido mais uma situação de conformação do que aceitação. Normalmente, em um determinado momento, quando nós não conseguimos mais esconder o vitiligo, acabamos por deixar aparecer a identidade que contempla a pele despigmentada. O primeiro momento foi de desespero; o segundo, acreditar que seria possível me curar através de algum tratamento; o terceiro, tentar camuflar as manchas com maquiagem e autobronzeador; o quarto, me confrontei com a realidade de que, dificilmente, eu conseguiria reverter totalmente as manchas, então as assumi.

Num mundo de tantas diversidades, como você vê essa questão das diferenças? Como você se sente a respeito disso por ter uma doença que está relacionada diretamente com a sua imagem?

Eu acho que falta amadurecimento e consciência da pluralidade da sociedade, inclusive nas próprias pessoas que são diferentes esteticamente deste padrão construído. Discute-se muito o conceito de inclusão e eu acho incoerente o uso dessa palavra, primeiro porque não há como incluir o que na realidade sempre esteve incluído (na sociedade), e segundo, porque ao disseminar a cultura da inclusão, admite-se que existe um grupo superior que determina as regras e que de certa forma todos pretendem fazer parte. Os outros grupos sempre estiveram presentes na sociedade, os que não estiveram são inclusos no grupo superior (padrão europeu), mesmo eles (no caso nós, excluídos do grupo) consumindo e contribuindo em sociedade. Assim, mais uma vez não se incorpora todos ao grupo, mas tão somente os escolhidos e aqueles que estejam em condições de adequar-se ao regulamento do grupo padrão. Assim não existe diversidade, ao contrário, tudo torna-se mais uma vez homogêneo e uniforme. Está incluído porque o grupo superior aceitou incluir. O grupo superior continua sendo dominante, os outsiders se adequam as regras do grupo dominante para se tornarem insiders e os outros grupos continuam excluídos, e pior, agora mais fracos e segregados o que dificulta ainda mais resistir a cultura do grupo padrão dominante. Ninguém percebeu, mas a inclusão é uma grande panela que não privilegia a diversidade, ao contrário, busca igualar todos ao mesmo padrão. Em suma, é um processo civilizador ao avesso. Precisamos ter cuidado.

Você pode falar um pouco sobre algumas reações das pessoas perante a você e sua imagem?

Essa questão é muito interessante e merece ser abordada em duas perspectivas: a reação das pessoas perante a minha imagem e a minha reação perante a minha própria imagem ao longo do processo de despigmentação que me mudou a minha aparência. Com relação a reação das pessoas, a curiosidade e o estranhamento sempre foram as reações mais frequentes: há um choque inicial que se reverte na curiosidade de decifrar quais seriam os motivos pelo qual eu teria essa aparência – seria queimadura ou alguma doença? Uma pessoa negra que tem manchas brancas ou uma pessoa branca que tem manchas escuras?

Crianças costumam ter reações mais espontâneas de perguntar em voz alta aos pais do que se tratam as manchas, ou o porquê de eu ter essa aparência e observam compulsivamente. As situações mais difíceis foram de pessoas que se recusaram a me cumprimentar ou dar a mão com receio das manchas serem transmissíveis. Em ambientes mais incultos sempre foi frequente as pessoas darem apelidos ou me compararem a algo. Houve também a reação com sentimento de piedade/pena de algumas pessoas, que sentiam a necessidade de sugerir tratamentos caseiro, rezas, simpatias e similares. Nos ambientes alternativos onde a diversidade é mais comum as pessoas reagiam com naturalidade. Algumas procuravam elogiar e interpretavam a atitude de não camuflar as manchas (com maquiagem) como ato de autenticidade, originalidade e estilo. Já com relação a minha reação perante a minha própria imagem, até antes de me transformar em modelo eu sempre via a minha aparência (que contempla a existência de manchas na pele) como algo negativo. Ao longo dos anos de despigmentação eu sofri e sempre me via como um “condenado”: a ser diferente, infeliz, feio, sozinho. Eu achava que nunca encontraria alguém na vida que me aceitasse afetivamente, achava que as pessoas sentiriam vergonha de ir comigo aos lugares e cheguei a pensar que minha própria família sentiria vergonha de mim.

Quando eu me transformei em modelo eu percebi que o meu descontentamento com relação a minha aparência não era apenas por causa do vitiligo, mas também porque eu não gostava do meu corpo, da maneira como eu me vestia, etc. e foi a partir daí que eu busquei alternativas para me transformar por inteiro

 

Comecei a praticar esportes, adotei outros hábitos alimentares, passei a me vestir de outra forma, parei de usar óculos, adotei o uso de barba, fui estudar entre outras coisas que começaram a me trazer satisfação e eliminaram o receio e a insegurança (estética e cultural) que eu tinha de interagir em sociedade. Passei também a cuidar da minha pele, agora não mais na tentativa de eliminar o vitiligo, mas sim de ter uma pele bonita, bem cuidada, tonificada, cheirosa e saudável com vitiligo. Foi a partir do momento que eu passei a gostar de mim da forma como eu sou (não apenas fisicamente, mas culturalmente também) que as pessoas ao meu redor passaram a me valorizar e o vitiligo deixou de ter esse sentido negativo que tinha antigamente para mim e consequentemente para elas.

O que você deseja compartilhar com as pessoas que tem a mesma doença que você ou, que de alguma maneira, sentem-se diferentes perante o seu meio e ao mundo para que elas se mantenham consistentes com o que as definem? 

Eu acho importante esclarecer que o vitiligo não é final da vida e que há sim beleza por trás das manchas. Normalmente na fase de descoberta do vitiligo a gente fantasia uma série de questões que não são condizentes e nunca se consumam na realidade. O medo e a insegurança são os piores inimigos do bem estar e da felicidade de uma pessoa que vive com vitiligo, pois são eles que abrem brecha para os outros transtornos emocionais que desestruturam a vida de qualquer pessoa. O importante é ter consciência de si, entender que o êxito e o bem estar de uma pessoa não é pautada apenas na aparência, mas sim, no que ela faz com a aparência. Há pessoas que se encaixam nos padrões ilusórios que a sociedade cria e nem por isso são felizes. E há pessoas que não se encaixam nestes padrões, e criam seu próprio jeito de viver e convier em sociedade e conquistam vida permeada de alegrias e felicidades. Ao ter vitiligo todas as pessoas possuem duas opções: ou lamentam eternamente ou buscam meios de ser feliz. Recomendo a segunda opção.

entrevista e fotografia – Suelen Romani / modelo – Akin Cavalcante (Rock Mgt) / styling – João Nell / grooming – Jean Cavalcante
brands: Nós Mais Eu, VicunhaEduardo Laurino, Rider, My Favorite Things e Belart

Agradecimento especial ao estúdio Espaço Papaya.

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