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Contar histórias, costurar poesia: a moda masculina de João Pimenta

Em entrevista exclusiva ao CartolaMAG.com, João Pimenta fala sobre moda, cultura, recessão econômica e como vem contribuindo para o cenário de moda nacional
 
Texto Pedro Yago       Ilustração Filipe Marcus
 

Um dos assuntos que mais crescem atualmente no campo da moda, é a discussão acerca de uma “moda sem gênero”. Essa produção visa unir o feminino e o masculino de modo a construir um único guarda roupa para ela, ele ou para aqueles que não se encaixam nesses dois termos. Entretanto, enquanto se avança no debate sobre “moda sem gênero”, segmentos como a própria moda masculina ainda caminha a passos lentos, dentro e fora da indústria, com exceção de alguns casos, como o do estilista João Pimenta. 

João Pimenta, por Filipe Marcus. Ilustração exclusiva para CartolaMAG.com.
Natural do interior paulista, João começou sua carreira ainda jovem, enquanto trabalhava para uma casa de modas comum às cidades do interior. Porém sua produção não se restringiu ao mercado e às oportunidades locais, pelo contrário. Não demorou muito para que sua moda autoral e características específicas o levassem rapidamente à Casa de Criadores, a um desfile em Paris, ao SPFW e hoje, ao CartolaMAG.com.
 
Consagrado atualmente como um dos mais promissores estilistas de moda masculina no Brasil, João aponta para as dificuldades na produção desse segmento no país, afirmando que “a gente tem um problema muito sério com a indústria têxtil, que não produz um tecido com aspecto masculino mais forte” e a ausência de marcas que se proponham a oferecer outro tipo de modelagem, senão o convencional. É justamente por fugir do óbvio que o estilista fez sua carreira e tem alcançado um público cada vez mais amplo e cativo.

O sucesso hoje alcançado é fruto de um início difícil, onde, segundo o estilista: “sempre tive uma moda voltada para o conceito. Sempre tive uma moda conceitual e ela nunca foi bem aceita porque as pessoas querem que você apresente uma roupa pronta paras elas usarem. Elas têm um pouco de preguiça de conceito de roupa. Eu trabalho mais com o conceito do que com produto”. O conceito proposto por João, bem como a mensagem emitida por ele a cada temporada, vem atraindo desde artistas (já vestiu a Banda Uó, criou figurinos para o Balé da Cidade de São Paulo, para o rapper Emicida, e recentemente levou à passarela da SPFW atletas paralímpicos) a executivos e clientes de roupas de casamento, que anseiam por uma moda inovadora, que une a alfaiataria tradicional aos desejos do homem moderno.

João Pimenta veste músicos da banda Cachorro Grande. Foto: Ali Caracas.

 

Essa capacidade de transitar tão bem pelo universo da moda o fez conquistar outros postos dentro da indústria, a exemplo de seu atual cargo como diretor criativo da marca West Coast, onde adapta padrões e modelagem da passarela para uma moda voltada ao comercial e a para um público maior. Quando se refere à atual recessão econômica cujo o país está submetido, João é objetivo ao afirmar que a crise está sendo uma forma de reaprender a lidar com as coisas, mas que não está fazendo com que a marca venda mais ou menos, onde o fluxo de clientes continua normal. Faz sentido. Afinal, as mudanças na economia do país não alteram apenas a dinâmica da indústria, ela vem alterando a forma como os consumidores têm consumido, buscando produtos de qualidade, contemporâneos e ao mesmo tempo atemporais, e disso, João Pimenta entende muito bem.
 

Sobre o futuro da moda, a possível (por que não futura?) união entre moda feminina e masculina, João categoriza o “não gênero” como um importante elemento para promoção do debate entre a roupa, o sentimento das pessoas e a forma como elas se identificam, atingindo lugares onde esse tipo de discussão nunca chegaria. Nas entrelinhas, o estilista reitera a importância da roupa não só como um elemento para definir a sexualidade, e sim, para comunicar ao outro o seu estado de espírito, o seu sentimento perante a realidade.

João Pimenta Verão 2017. Fotos: Zé Takahashi/Ag. Fotosite
A roupa deixa de cumprir a função de vestimenta, de suprir às necessidades de proteção física, e passa a fazer parte do emocional e da identidade dos indivíduos. Essa identidade, nas mãos desse alfaiate contemporâneo, une poesia e técnica, fluidez e paixão, transforma o feio no belo, nos alimenta e afaga.
 
Ao compartilhar com a Cartola Mag qual a principal contribuição que seu trabalho ofereceu à moda brasileira nessa última década de atuação, o estilista é claro e objetivo: “o que eu fico feliz é ter acreditado nesse segmento masculino, enquanto ninguém acreditava nele”. Nós também ficamos felizes, João. Felizes com sua aposta e no que ainda há por vir, nesse segmento que aos poucos vem avançando e permitindo a nossa transformação.
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